Muitas são as notícias que temos ouvido sobre como é a pior altura para qualquer coisa, por culpa da covid.
Por culpa da covid, muito é o azar de ser criança nesta altura e não poder brincar livremente com os amiguinhos.
Por culpa da covid, muito é o azar de se ser adolescente e não poder sair simplesmente para andar de skate ou namorar.
Por culpa da covid, muito é o azar de estar na Universidade e não poder ir aos jantares de curso, às festas e discotecas.
Por culpa da covid, muito é o azar dos casais que tinham planeado casar e tiveram de adiar as suas bodas com imensos convidados.
Por culpa da covid, muito é o azar de quem engravidou na pior altura, que nem pode levar o papá às consultas ou a assistir ao parto.
Por culpa da covid, MUITO é o azar, sim, dos idosos que estão a morrer na tremenda solidão e tristeza, que é o partir sem oportunidade de ver, ouvir e tocar nos seus para a última despedida.
Mas finalmente, vou falar-vos do azar que é ser diagnosticado com cancro durante uma pandemia mundial.
No início de 2020 diagnosticaram-me cancro da mama. Como tinha 32 anos, não tinha antecedente, os seios sempre foram pequenos e com diversos nódulos, "deixaram" andar a coisa durante anos. Só controlava com ecografias muito esporadicamente. Quanto "àquele específico nódulo", sempre o desvalorizaram e a médica de Patologia Mamária, que me acompanhava até à data, queria dar-me alta.
Só que de um momento para o outro, o mamilo dessa mama, com o nódulo maior, inverteu-se. Comecei a ter dores horríveis sempre que esforçava o músculo peitoral. Enquanto isto, esperava a próxima consulta de Patologia Mamária no SNS.
Estava no final de 2019, numa altura de grande stress, a terminar uma segunda Licenciatura. Lembro-me que no dia anterior à apresentação do projeto final de curso, comecei a sentir uma espécie de dormência no antebraço. Pensei, ah ok, estive tantas horas no computador, a escrever a tese que o corpo está a dar sinais de algum cansaço ou má posição continuada. No dia seguinte, fiz a apresentação do projeto e terminei o curso com honras e distinção.
Tanto que no dia seguinte já estava contratada pela empresa onde realizei o meu estágio. Comecei a trabalhar na área e estava muito feliz.
O pior estava para vir.
No mês seguinte, as dormências nos antebraços persistiam (em ambos) e de repente comecei a sentir as piores dores que já senti na vida. Os meus dois braços doíam-me tanto, mas tanto que eu não suportava tamanha dor. Sou uma pessoa que tolera (aguenta) muito sem se queixar. Nunca faltei ao trabalho ou curso, mesmo quando estava doente e às vezes muito doente.
Mas desta vez, eram umas dores esquisitas, cortantes, que irradiavam do cotovelo para o ombro, do cotovelo para o pulso.
Fui diversas vezes às urgências. Sem exagerar, fui 5 vezes às urgências. Uma delas a um Hospital Distrital. Nunca me fizeram um simples raio-x. Diziam que era possivelmente de má postura, de trabalhar muitas horas a dactilografar. Experimentei todos os anti-inflamatórios e pomadas. Nada resultava. Comecei a ter de faltar ao trabalho, o que constituía motivo de grande vergonha para mim. Como disse, sempre fui muito cumpridora de todas as minhas responsabilidades, faltar no início de uma nova contratação era mal visto.
Finalmente, as dores abrandaram um pouco e chegou o dia da consulta de Patologia da Mama.
A médica analisou-me com ar assustado. Sugeriu que eu fizesse uma biópsia à mama, passado umas semanas.
Fiz a biópsia e a Doutora, enquanto me puncionava, conversava comigo como se eu fosse doente oncológica. Fiquei aterrorizada, mas como ela não deu nenhum veredito (as amostras seguiram para o laboratório) eu pensei...bem, estava tão nervosa que talvez tenha deturpado a conversa.
Conclusão, fui à consulta para receber os resultados da biópsia e a médica diz-me: "ainda não tenho o resultado da biópsia, não sei se a Médica Radiologista lhe adiantou alguma coisa..?" respondi que não.
"é que ao fazer a sua biópsia, a ecografia detetou um gânglio." ...
Fiquei em choque, porque é de senso comum que isso é praticamente a confirmação de cancro da mama. Então ela prosseguiu. "Pode ser que não seja nada, mas vou mandar fazê-la uma biópsia ao gânglio e mais uns exames, para ir adiantando, caso os resultados sejam desfavoráveis."
Saí completamente aterrorizada daquela consulta e da frieza com que tudo me foi dito.
Em janeiro de 2020 lá estava eu a fazer a biópsia ao gânglio. O médico para além de não me ter dirigido a palavras enquanto me fez o exame, ainda me perfurou o pulmão o que me levou a ficar internada 15 dias com um dreno.
Enquanto isto, todos fingiam não saber do meu diagnostico. Pois a CONSULTA DE GRUPO ONCOLÓGICO, estava marcada nos finais de janeiro de 2020.
Confesso que não percebia nada deste mundo da oncologia, nem sabia que existiam consultas de grupo oncológico.
No dia 23 de janeiro, depois de uma manhã horrível de espera, chamaram o meu nome. Entrei no gabinete, à minha frente estava uma cirurgiã que me olhou com um ar gélido e, sem esboçar qualquer sinal de empatia ou solidariedade diz:
"tenho más notícias para si: tem cancro da mama. E não é só. Tem metástases ósseas na sua coluna cervical e dorsal. Estamos na dúvida se terá que começar a usar imediatamente um colar cervical".
Noutro post, explicarei melhor todo o desencadear deste longo e permanente processo.